Em 2023, Mato Grosso esteve no ranking como o estado com a maior taxa de feminicídio do país, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Com 2,5 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres, em números absolutos foram 46 mulheres assassinadas.
Com os dados negativos, o grupo de estudos de psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) lançou o I Fórum pelo Enfrentamento à Violência Contra Mulher (MT), para promover debates sobre políticas públicas e seu nível de eficiência no combate à violência contra a mulher. O grupo conta com profissionais, entidades públicas, dados e é aberto a todos que desejam atuar na busca pelo direito à vida sem violência.
A professora doutora Virgínia Amorim, que desenvolve trabalhos na área, é uma das organizadoras do fórum e apontou a necessidade de entender e debater para perceber as fragilidades no combate. Ao , ela explicou como a violência pode ocorrer de diferentes formas, em diferentes locais e como a área da psicologia tem o potencial de auxiliar na ajuda às mulheres.

Gazeta Digital: Qual foi sua inspiração para atuar na organização do I Fórum pelo Enfrentamento à Violência Contra Mulher (MT)?
Virginia Amorim: Eu venho estudando a temática há alguns anos e meu doutorado foi a respeito dessas redes de enfrentamento à violência contra a mulher. Desde que voltei, tenho acompanhado os eventos que acontecem aqui em Mato Grosso. Estamos sempre entre os estados com a maior taxa de feminicídio do Brasil e a cidade com maior número de estupros no Brasil é uma cidade de Mato Grosso, que é Sorriso.
Assim, aqui, a mulher está exposta a mais violências do que em outras regiões do país. A realidade do estado é uma coisa que nos motivou a começar a pensar o que a gente poderia fazer para contribuir para a sociedade e alavancar discussões que pensem em prevenções em uma escala maior.
A ideia, tem a ver com reunir esse conjunto e ter um debate diverso, democrático, público, aberto, é, que tem um cunho político, mas é apartidário. Pessoas de qualquer espectro são bem-vindas. Se a pessoa está genuinamente interessada na temática, vem conversar com a gente.
Gazeta Digital: Qual a necessidade de debater as questões especificamente neste nível e em diferentes áreas?
Virginia Amorim: Às vezes as pessoas pensam assim: ‘Ah, o cara bateu na mulher, teve um feminicídio, é só prender e punir’, como se isso fosse a única coisa que pudesse ser feita.
O nosso entendimento não é esse, mas sim de que a violência contra mulher é um problema da sociedade como um todo e deve envolver todo mundo na discussão, em diferentes aspectos. A análise do que está acontecendo vem na proposição de novas alternativas, estratégias, soluções.
Gazeta Digital: Quais as possíveis causas de Mato Grosso ocupar sempre os pódios no ranking?
Virginia Amorim: Essa é uma questão que demanda alguns estudos para termos uma resposta conclusiva sobre. Existem diversos fatores que afetam a violência contra a mulher. Podem ser culturais, religiosos, socioeconômicos e políticos. É o jeito como esses fatores se combinam e que pode variar de um lugar para outro. Não necessariamente será a mesma combinação de fatores que opera no norte do estado, é o que acontece aqui na baixada de Cuiabá que traz a alta na taxa de violência.
Uma das coisas, inclusive, que o fórum pensa é que a gente tenha mais estudos e uma investigação mais detalhada sobre o que acontece nas localidades. Então, para a gente dizer exatamente o que acontece em Mato Grosso, nas diferentes regiões do estado, é importante a gente ter um esforço para fazer um diagnóstico, uma avaliação das cidades, do que tá acontecendo.
Gazeta Digital: Uma das propostas do fórum é debater as políticas públicas dentro de áreas como saúde e educação. Como essas áreas podem estar integradas com a violência contra a mulher?
Virginia Amorim: A gente fez questão de ter um dia sobre educação, o que não é muito esperado nessas temáticas porque a gente precisa conversar sobre o que acontece. Deveríamos estar preocupados em como é que os nossos meninos são educados para que não virem agressores lá na frente.
Também é importante ensinar a identificar as ações que são abusivas, o que é ou não aceitável e a entender, já na adolescência, essas questões. Tem muita coisa que dá para ser feita nas escolas para prevenir. A gente deveria estar pensando em parâmetros preventivos também.
Em relação à saúde. Uma mulher que sofreu violência doméstica, por exemplo, pode procurar um serviço de saúde para tratar ali uma lesão que ela sofreu. É importante que esse profissional que tá lá na saúde saiba identificar o que é aconteceu ali, ainda que ela não diga realmente o que causou aquele ferimento. Tem uma questão da qualificação dos profissionais para poder ouvir essa mulher e fazer algum encaminhamento se for necessário. Como que é esse atendimento médico para mulher que sofreu uma violência sexual? São coisas absurdas que também tem que estar no debate
Gazeta Digital: Em que ponto a psicologia pode atuar no cuidado contra à violência contra a mulher?
Virginia Amorim: Existem várias possibilidades de atuação para o psicólogo. A psicóloga pode estar trabalhando tanto no atendimento de clínica, de consultório, individualizado, que eu acho que é o que a maioria das pessoas pensa. Muitas de nós estão atendendo mulheres que estão em situações de violência.
Em atendimentos individuais, não necessariamente uma mulher vai chegar na consulta e dizer ‘Vim aqui porque eu sou vítima de violência doméstica’. Às vezes ela aparece com outras coisas e a gente vai identificar a violência e o relacionamento abusivo.
Existe essa perspectiva de quem trabalha individualmente, mas a psicologia não tá só aí. Temos psicólogas trabalhando junto com a assistência social, em atendimentos psicossociais, em uma perspectiva mais coletiva. Esses grupos reflexivos trazem espaços em que elas podem compartilhar o conhecimento e sua história, além de ouvir a história de outras mulheres. Além disso, existe a proposta de psicologia que está, por exemplo, na saúde, se você for aos hospitais e até na delegacia.
Além disso, existem psicólogos que trabalham com o agressor, que é um trabalho super importante que a gente ainda tem pouco.
Então a gente tem a psicóloga em diversos pontos da rede de atendimento e ela precisa também ser qualificada em entender essa rede de atendimento para poder fazer a melhor o melhor acompanhamento daqueles casos.
Gazeta Digital/Aline Costa – Especial para o GD