Ameaça silenciosa vem tirando o sono de produtores de soja, milho e algodão. Uma ameaça silenciosa vem tirando o sono de produtores de soja, milho e algodão em todo o Brasil. O caruru — nome popular dado a várias espécies do gênero Amaranthus — é hoje uma das plantas daninhas mais agressivas do campo, capaz de reduzir a produtividade das principais culturas agrícolas em até 91%. Com um crescimento rápido e com resistência ao herbicida glifosato (A. palmeri e A hybridus), o caruru já é considerado um dos maiores desafios para o agro nacional.
O alerta não é novo, mas ganhou força desde 2015, quando o primeiro foco de Amaranthus palmeri — espécie mais resistente e agressiva do gênero — foi identificado no estado do Mato Grosso. Desde então, áreas infestadas têm sido monitoradas de perto por instituições como o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea-MT), que estima em cerca de 12 mil hectares a área atual contaminada. Embora aparentemente estável, esse número representa um risco constante de dispersão.
“As espécies de caruru normalmente produzem uma quantidade muito grande de sementes, e essas sementes são extremamente pequenas, o que facilita sua disseminação”, alerta o pesquisador da Univag-MT, Anderson Cavenaghi.
Segundo o especialista, uma única planta de Amaranthus palmeri pode produzir entre 200 mil e 600 mil de sementes quando estão nas áreas de produção. Isso significa um potencial explosivo de infestação. “Máquinas agrícolas colhem em áreas com caruru, ficam contaminadas e acabam transportando as sementes para outras lavouras”, explica.
O perfil do invasor
Existem ao menos seis espécies de caruru que ocorrem com frequência no Brasil, incluindo o caruru-roxo (A. hybridus var. paniculatus), o caruru-branco (A. hybridus var. patulus), e o caruru-gigante (A. retroflexus). No entanto, o A. palmeri se destaca por seu porte elevado — podendo passar de 2 metros de altura — e por sua capacidade de competir por água, luz e nutrientes com uma eficiência assustadora.
Estudos indicam que o caruru pode reduzir em até 91% a produtividade do milho, 79% na soja e 77% no algodão. Além da chamada matocompetição, o caruru atrapalha a colheita mecanizada, tem crescimento rápido (até 4 cm por dia) e serve de ponte para pragas e doenças que atacam culturas comerciais.
Seu mecanismo de fotossíntese C4, mais eficiente em ambientes quentes e úmidos, dá ao caruru uma vantagem sobre plantas C3, como a soja. A espécie também apresenta dimorfismo sexual (plantas separadas com flores masculinas ou femininas), o que favorece sua variabilidade genética e capacidade de adaptação.
Resistência crescente e controle desafiador
O uso contínuo de herbicidas com o mesmo mecanismo de ação tem sido apontado como uma das principais causas da seleção de plantas resistentes. Anderson Cavenaghi reforça que o controle exige uma abordagem integrada, incluindo o uso de herbicidas pré-emergentes com diferentes modos de ação e monitoramento constante.
“É fundamental evitar que o caruru produza sementes na lavoura. O ideal é usar ferramentas com diferentes mecanismos de ação e aproveitar os projetos de monitoramento de resistência normalmente realizados pelas multinacionais em parceria com instituições e ensino superior para conhecer o biótipo que tem em sua propriedade”, explica Cavenaghi.
Esses projetos recebem amostras de sementes enviadas pelos próprios produtores. Os pesquisadores analisam o material e devolvem orientações sobre o tipo de resistência e as melhores estratégias de combate.
Impacto econômico e ambiental
Além das perdas produtivas, o caruru impõe elevados custos aos produtores. A necessidade de mais aplicações de herbicidas, a perda de eficiência da colheita e a recontaminação de áreas livres pressionam a rentabilidade das lavouras. Em países como Estados Unidos e Argentina, a presença da planta já é usada como critério para desvalorização de terras.
“Se não controlada, essa planta se espalha muito rápido. E mesmo com capina em época de chuvas, já observamos plantas no Brasil que voltam a criar raízes e continuam produzindo sementes”, destaca o pesquisador.
Identificação: como reconhecer o caruru
O caruru apresenta inflorescências diferenciadas — com plantas masculinas e femininas — e folhas que podem variar entre ovadas, rômbico-ovadas e com marcas em V. Em algumas espécies, as inflorescências são roxas ou esverdeadas, e os caules grossos e angulosos ajudam na identificação.
O padrão de crescimento em forma de roseta e a presença de raízes profundas são outros indicadores. Essas características, somadas à alta taxa de multiplicação e ao crescimento acelerado, tornam o caruru uma das plantas daninhas mais difíceis de erradicar do sistema produtivo.
O futuro do controle
O combate ao caruru passa necessariamente por estratégias preventivas e de manejo integrado. Além do uso racional de herbicidas, é essencial a rotação de culturas, limpeza de maquinário, monitoramento de áreas e apoio técnico especializado.
“É um desafio crescente. Mas com informação, tecnologia e manejo adequado, é possível evitar que essa planta se espalhe ainda mais pelas lavouras brasileiras”, conclui Cavenaghi.
Veja a entrevista na íntegra;
Portal Agrolink: Por que é tão difícil identificá-lo nas fases iniciais do cultivo?
Anderson Cavenaghi: A identificação de plântulas de caruru é relativamente fácil, porém a dificuldade está em separar suas espécies. Muitas vezes, características que identificam uma espécie aparecem em outras. Às vezes, as características que mais separam estão presentes apenas quando a planta já apresenta inflorescência. Existem espécies que não conseguimos separar nem mesmo utilizando biologia molecular, como por exemplo Amaranthus hybridus e Amaranthus retroflexus.
Portal Agrolink: Qual é o potencial de disseminação dessa planta?
Anderson Cavenaghi: As espécies de caruru normalmente produzem uma quantidade muito grande de sementes, e essas sementes são extremamente pequenas, o que facilita sua disseminação. Por exemplo, uma planta de Amaranthus palmeri pode produzir entre 2300 e 6400 mil sementes por planta dentro da lavoura. Plantas isoladas podem ultrapassar 1 milhão de sementes. Isso torna fácil a contaminação de novas áreas, especialmente se não houver controle. Já vimos situações em que máquinas colhem áreas com caruru e, ao se deslocarem para outros locais, acabam disseminando sementes para regiões que antes não apresentavam a planta.
Portal Agrolink: Em que regiões do Brasil o caruru tem sido mais identificado?
Anderson Cavenaghi: Temos espécies de caruru presentes em praticamente todas as regiões produtoras do Brasil. A Amaranthus palmeri, por exemplo, está presente no Mato Grosso e recentemente foi notificada no Mato Grosso do Sul. Atualmente, a espécie que mais tem causado dor de cabeça é a Amaranthus hybridus, resistente ao glifosato. Já foi relatada sua presença no Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso, e temos recebido amostras de outros estados para verificar a presença de resistência.
Portal Agrolink: Quais culturas são mais afetadas pela presença do caruru?
Anderson Cavenaghi: O caruru está presente em diferentes regiões do país. Então, qualquer cultura implantada em áreas infestadas será afetada. Acredito que a soja seja a cultura com maior área infestada atualmente. Como também costumamos plantar milho e algodão nas mesmas áreas, essas culturas também sofrem bastante com a presença do caruru.
Portal Agrolink: Que prejuízos essa planta pode causar à produtividade das lavouras?
Anderson Cavenaghi: Apesar de apresentarem sementes e plântulas pequenas, as plantas de caruru podem atingir de 2 a 3 metros de altura. Elas competem com a cultura por água e nutrientes, o que prejudica diretamente o desenvolvimento da lavoura e, consequentemente, sua produção. Os prejuízos variam conforme fatores como chuva e quantidade de luz ao longo do ciclo. Em alguns casos, se o controle for ineficiente, pode até inviabilizar a colheita.
Portal Agrolink: Já há registros de aumento no custo de produção devido à necessidade de controle específico?
Anderson Cavenaghi: Sim. Como as culturas transgênicas que utilizamos normalmente têm resistência ao glifosato, se o biótipo de caruru for resistente a esse herbicida, o produtor precisa recorrer a outros produtos com mecanismos de ação diferentes. Na propriedade onde foi notificado o primeiro caso de presença deo Amaranthus palmeri no Brasil, o custo com controle de plantas daninhas aumentou entre 60% e 70% em comparação com o manejo anterior. A presença de resistência a glifosato, inibidores de ALS e de Protox torna a escolha de herbicidas mais complexa, exigindo também adoção de práticas como manejo integrado, uso de palhada, cuidado cultural e até mesmo o arranquio manual das plantas.
Portal Agrolink: Como os agricultores podem contribuir para a identificação precoce e o controle da disseminação?
Anderson Cavenaghi: O ideal é evitar que o caruru produza sementes nas lavouras. Para isso, o uso de herbicidas pré-emergentes com diferentes mecanismos de ação é fundamental. O produtor também pode procurar apoio de associações de produtores, Embrapa, Universidades, que muitas vezes participam de projetos de monitoramento de resistência em parceria com as multinacionais do agronegócio.O agricultor pode enviar sementes para análise, e os pesquisadores devolvem os resultados, indicando a presença ou não de resistência e sugerindo alternativas de controle. Essa colaboração é uma das formas mais eficazes para evitar a disseminação.
Agrolink – Aline Merladete
Publicado em 20/05/2025 às 11:39h